INDICAÇÃO DO LIVRO: O beijo de Judas FOTOGRAFIA E VERDADE de Juan Fontcuberta

O Beijo de Judas: Fotografia e Verdade, de Joan Fontcuberta, publicado pela editora Gustavo Gili, é um livro que reflete, como o próprio nome diz, sobre o fato de a fotografia não ser sinônimo de verdade.

Esse questionamento, surgido após os anos 1980, nos coloca diante da problematização do real. O autor coloca que “toda fotografia é uma ficção que se apresenta como verdadeira”, mas que mente. “Fotografar, em suma, constitui uma forma de reinventar o real, de extrair o invisível do espelho e revelá-lo.”

Ele cita o trabalho de diversos artistas. Para exemplificar, o autor menciona o trabalho de Daniel Canogar, que apresenta corpos fragmentados em uma de suas instalações. Trata-se de uma montagem com projeção de olhos, bocas, braços e pernas montados e exibidos sutilmente em uma parede. Outro artista, Cottingham, representa imagens de jovens da sociedade americana. Contudo, as pessoas representadas são inexistentes e foram idealizadas através de coletas e montagens de vários olhos, narizes, faces e bocas de rostos perfeitos. Dessa forma, a distância entre descobrir e inventar é muito pequena. As fotografias são rastros. A arte contemporânea traduz esses rastros e memórias de várias maneiras.

Acima: Montagem do artista Cottinghan

Em outro capítulo, Fontcuberta relata o caso de uma tribo completamente primitiva, denominada Tasaday, descoberta em 1966 por um caçador. Ele conta que em 1971 um jornal publicou uma matéria sobre a existência dessa tribo e, para evitar que uma avalanche de pesquisadores fosse ao local, restringiram o acesso de pessoas à área e permitiram somente a entrada de repórteres previamente aprovados por uma agência governamental. Nessa ocasião, imagens foram feitas e exibidas como atração. Alguns anos se passaram e a tribo foi esquecida. Entretanto, em 1986 um jornalista resolveu retomar o assunto e acabou se deparando com um povoado nada primitivo. Tudo era invenção. Meia dúzia de indígenas vestiam-se com tangas e eram fotografados, mas viviam com calças e blusas próximo da civilização. Tratava-se de uma estratégia de marketing desenvolvida pelo governo. Houve manipulação da mensagem, do sentido e do contexto.

Imagem acima: publicação da tribo Tasaday na revista National Geographic

Após a descoberta desse episódio, Fontcuberta resolveu montar uma exposição em Rochester sobre o povo retseh-cor (Rochester ao contrário). A mostra continha restos escultóricos da civilização, assim como desenhos de artistas anônimos, cartas, fotografias e utensílios encontrados. A instalação ilustrava o RIPA (Rochester Institute of Prospective Anthropology), instituto responsável pela montagem. Todos os visitantes foram enganados. A tribo, as imagens, os utensílios eram montagens de objetos encontrados e desenhos recentes feitos. Prova final: o documento nem sempre é verdade.

No capítulo “Verdades, ficções e dúvidas razoáveis”, o autor relata que a cena retratada no quadro Guernica, de Picasso, não diz respeito às cenas ocorridas em Guernica. Em uma entrevista feita na ocasião, Franco afirma que as fotos são de outra cidade localizada a quilômetros de distância de Guernica. Picasso não esteve no local. O quadro mudou a história, e a pintura resiste mais que a realidade. O interesse passa a ser o conteúdo, mais do que a realidade dos fatos. A imagem passa a ter mais importância no sentido da experiência visual.

Com relação à tecnologia digital, hoje as imagens são alteradas de acordo com o conceito imposto. A tecnologia digital passa a condenar a confiança. O valor dado à representação fidedigna da natureza se esvai e passam a valer a criatividade e o diálogo com o espectador.

A arte contemporânea brinca e provoca com a ideia de falsificação da realidade e o papel da fotografia. Tudo é possível, existe uma névoa que encobre a verdade, existe ambiguidade, nada é confiável, “tudo é verdadeiro e falso ao mesmo tempo”.

Assim, a trajetória da fotografia se aproxima da ficção, da arte e da imaginação.

O Beijo de Judas é um livro muito interessante para quem quer refletir sobre esses aspectos da contemporaneidade e da fotografia como não evidência.

Boa leitura!

 

 

Helena Rios

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